Stephen Morris: "É um pouco como começar de novo. É uma espécie de território desconhecido".

14 de setembro de 2014, 

No último dia 09 de setembro, o site britânico The Quietus, especializado em música e cultura pop, publicou uma recente entrevista com Stephen Morris, baterista do New Order, concedida a John Doran. O N.O. Way traz com exclusividade uma tradução na íntegra do bate-papo com Morris, que falou sobre a recente assinatura de contrato com a Mute Records, a importância de Gillian Gilbert na banda, o revival do Joy Division e ainda deixou escapar que estaria escrevendo um livro. 

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ARQUIVISMO ALEATÓRIO: ENTREVISTA COM STEPHEN MORRIS DO NEW ORDER

John Doran conversa com Stephen Morris sobre o contrato do New Order com a Mute, o pulsar PSR B1919+21 e luvas para fornos do Joy Division.

Na última sexta à tarde, no Festival No. 6, tivemos sorte o suficiente para ter Stephen Morris do Joy Division e New Order como convidado no nosso palco. Ele (e o sempre garboso Luke Haines) foi gentil o bastante para entrar na tenda de triagem onde estávamos mostrando três filmes do The Quietus at Leisure de Luke Turner e Ethan Reid e participar de um “Q & A” [N.T.: abreviação em inglês para “perguntas e respostas”].

O mini-documentário sobre a paixão de Stephen por colecionar “tanques" (veículos militares para ser mais preciso) ocupou um bom tempo, mas quando chegamos ao “Q & A” mais adiante, foi uma oportunidade muito tentadora para não mencionar o “elefante na sala de estar”: o fato de poucos dias antes o New Order ter anunciado um novo álbum e a assinatura de um contrato com a Mute Records.

Eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer a ele por responder todas as minhas perguntas - muitas delas típicas de um fã assumido - sempre de bom grado e com o seu típico senso de humor seco. A conversa foi muito esclarecedora, principalmente sobre a questão do apelo duradouro do Joy Division. A seguir, a entrevista publicada na íntegra.

Agora que vocês assinaram com a Mute ficou a impressão de que era uma coisa muito lógica de acontecer, mas eu não teria imaginado isso previamente. Como aconteceu?

MORRIS: Bem, nós queríamos fazer um disco. E queríamos lançá-lo por uma gravadora. Então ligamos para o Daniel [Miller, dono da Mute] e dissemos: “Você vai lançar o nosso disco?”. E ele disse que sim. [risos] Bem, não foi tão simples assim. Nós estávamos pensando sobre isso há muito tempo. Daniel é um cara muito legal e que conhecemos há anos. É estranho, porque as pessoas têm vindo até mim dizendo “Parabéns”. Por que? Eu tive outro filho? “Não, você assinou um contrato com a Mute”. Eu sabia que os tempos eram difíceis, mas existem gravadoras ainda, não é? Não é tão estranho assim.

Eu creio que para as pessoas da minha geração é uma notícia emocionante. Meu primeiro álbum do New Order foi Power, Corruption and Lies e meus discos favoritos serão sempre Brotherhood e Low Life e vocês assinarem com a Mute significa de que vão produzir mais material eletrônico e dançante.

MORRIS: Sim, apesar de que assinar com a Mute não significa necessariamente que você tem que fazer um álbum mais eletrônico e dançante, mas é isso o que estamos fazendo. O lance sobre a Mute e nossa razão para irmos para lá foi o fato de que tínhamos sido da Warner Bros., ou seja, fomos uma banda de um selo grande, mas nos sentíamos mais confortáveis assinando com uma gravadora independente. Assinando com a Mute é um pouco como assinar com a Factory, só que uma Factory mais bem sucedida financeiramente. Nós conhecemos Daniel há muito tempo… Quando estávamos gravando Republic ele desceu para o chá e para nos ver no estúdio e mesmo depois disso ele ainda queria assinar conosco. Ele é um cara muito legal. Tem um monte de sintetizadores. Eu tenho um monte de sintetizadores. E esperamos colocar alguns deles no novo álbum. E será em breve.

Você pode nos dizer algo mais sobre isso, como vai ser chamado [o álbum] etc?

MORRIS: Se eu posso lhe dizer como vai ser chamado? Não, porque eu não sei ainda. Pensei em chamá-lo de “X" ou “?” [risos], mas não, ainda não sei como vai se chamar. Temos oito músicas e Bernard já escreveu as letras e fez os vocais de algumas. Então você pensará que está quase pronto. Seria bom para o disco sair na próxima primavera, mas eu não estou dizendo nada de concreto, porque as pessoas sempre te citarão depois. Sempre me param para dizer: “Quando é que sai o novo disco?”. E eu digo que sairá no Natal. Depois, no Natal, todos dizem [imita voz triste] “O disco não saiu!”. Então, não estou dizendo nada. Seria bom ter alguma coisa este ano, mas eu não sei.

Vocês têm trabalhado com o fã de Joy Division e New Order James Murphy?

MORRIS: Não. É uma pena, mas não. Na minha imaginação, eu já trabalhei com ele, mas, na realidade, não. O Consequence of Sound fez uma entrevista comigo e disse: “Com quem você gostaria de trabalhar?”. E eu disse: “James Murphy. Eu realmente gosto dele e de tudo da DFA Records”. E depois, em outra entrevista, Bernard e Tom [Chapman] estavam sendo entrevistados e perguntaram se estávamos trabalhando com James Murphy e Bernard disse: “Nós temos algumas novidades para você…”. E isso foi interpretado como “estão trabalhando com James Murphy”. Infelizmente, isso pode ter chateado James, mas não sabemos realmente. Quero dizer, como você pode chatear James Murphy? Eu queria alguns discos dele também. Eu queria o novo álbum do Juan Maclean, mas não importa.

Será que lhe perturba ser esse o primeiro álbum da história da banda sem Peter Hook nele?

MORRIS: É um pouco estranho, mas isso me perturba? Não, porque é um pouco como começar de novo. Começar de novo com uma nova gravadora. Começar de novo com sintetizadores. Começar de novo com Gillian. Começar de novo com um novo baixista. É uma espécie de território desconhecido.

Parece-me que há muito barulho sendo feito sobre se o New Order é New Order sem Peter Hook e muitas vezes esse barulho vem sendo feito pelo próprio Peter Hook. No entanto, você e Gillian parecem manter um silêncio digno sobre se o New Order era ou não New Order na ocasião em que a formação não contava com Gillian. Você acha que a importância dela para o grupo foi subestimada no passado?

MORRIS: Não por mim. Eu não posso me dar ao luxo de subestimar a importância da minha esposa. Alguem pode? Eh… não gostamos de gritar, de ir aos jornais e falar mal das pessoas, soprar nossas próprias trombetas e coisas assim. Nós queremos apenas nos divertir enquanto fazemos o que fazemos. Entretanto, Gillian pode ficar muito forte e desagradável quando ela toma umas e outras como a maioria das estrelas de rock e se você quiser vir e vê-la discotecar no domingo você verá isso em primeira mão… mas espero que não. Eu realmente gostaria de não ter dito isso agora, acho que vou ter um bocado de problemas.

Quando foi que você e Gillian tocaram juntos pela primeira vez no palco? Foi no Joy Division, certo?

MORRIS: Ah, essa é uma história que Bernard nunca conta direito… Provavelmente está no livro dele, mas deve estar errado. O que aconteceu é que fomos tocar no Eric’s, em Liverpool, no final de 1978 ou início de 1979, e o que aconteceu foi que Rob Gretton, nosso empresário, brincando com uma garrafa quebrada acidentalmente cortou a mão do Ian [Curtis, falecido vocalista do Joy Division]. Isso não foi exatamente um impedimento para ele, já que era o cantor, exceto em uma música, que era “I Remember Nothing”, em que ele tocava guitarra. Foi um pouco como “Nós temos um médico na casa?”. Por isso, quando perguntamos “Alguem pode tocar guitarra?” ela disse que podia e então tocou a guitarra de Ian em uma canção. Bernard diz que foi ele, mas ele nunca tocou guitarra nessa música pois ele costumava usar o sintetizador.

Deborah Curtis disse em Touching From a Distance: “Se foi intencional ou não, as esposas e namoradas foram gradualmente banidas de tudo, inclusive o mais local dos shows, e um curioso elo masculino se impôs. Os rapazes pareciam se divertir uns com os outros”. Foi a introdução de Gillian uma das diferenças, além da verdade óbvia, entre Joy Division e New Order?

MORRIS: Como acabou se constatando, sim. Apenas foi muito estranho porque tínhamos deixado de ser um bando de garotos que estavam em umas de [faz voz de bobo] “Não traga sua garota! Nada de garotas no show!”. Mas depois tivemos Gillian tocando guitarra e teclados e, sem seguida, foi algo tipo “Oh, não podemos falar sacanagem, não podemos peidar…”. Era bastante embaraçoso. Mas teve um efeito, que não foi exatamente uma feminização, mas que nos diferenciou de uma forma inclassificável, sutil e subconsciente. E isso teve efeito sobre alguns de nós mais do que para outros. Acho que particularmente para Bernard. Foi mais estranho para Bernard e Peter do que para mim. Não, na verdade era estranho para mim também. Normalmente quando você sai do trabalho pode ir para casa e fazer algo diferente, mas quando estão juntos em uma banda isso nunca termina. Quando você vai para a casa, você ainda está na banda. Quando você está em turnê, está com a banda. Nunca para. E você fala sobre isso o tempo todo.

Em seu novo livro, Ghosts of My Life, Mark Fischer escreveu eloquentemente sobre o renascimento aparentemente contínuo e inesgotável do Joy Division. Eu o cito: “Se o Joy Division importa agora mais do que nunca, é porque a banda capturou o espírito deprimido do nosso tempo. Ouça o JD agora e você tem a impressão inevitável de que o grupo canalizou catatonicamente o nosso presente, o seu futuro. No começo seu trabalho foi ofuscado por um mau presságio, uma sensação de um futuro impedido, todas as certezas dissolvidas, apenas uma escuridão crescente à sua frente”. Eu penso que o renascimento do Joy Division é um fenômeno cultural. Muitas bandas têm picos de popularidade, mas o ressurgimento do interesse do Joy Division nos últimos seis ou sete anos é irreal e eu não me lembro qual foi o último dia em que eu não vi uma camiseta do Unknown Pleasures.

MORRIS: Eu tenho esse livro. Eu tentei lê-lo… mas é muito deprimente. Eu quase comecei a acreditar nisso. Comecei a me sentir no esquete dos Quatro Yorkshiremen. Acho que você mesmo já respondeu a pergunta, a música era ótima e a outra coisa importante sobre isso é que não foi algo empurrado goela abaixo. Joy Division é algo que você descobre. Você o descobre sozinho. Seu irmão mais velho o toca para você ouvir e, de repente, você está nesse caminho. É estranho o que você disse sobre a camiseta do Unknown Pleasures, porque nós fizemos a capa do disco e dissemos “Bem, isso daria uma bela camiseta, um bonito logo… mas logos e camisetas são merda!”. Nós éramos mortalmente contra esse tipo de coisa. E agora deve ser o tipo de camiseta mais vendida por aí. Ela é onipresente e se tornou um símbolo diferente do que o Joy Division realmente era. A camiseta representa um Joy Division mítico, que representa para as pessoas algo distinto do que nós éramos. E só aconteceu por acabou. Se tivéssemos continuado, teria sido tudo diferente, e só porque houve um fim as pessoas puderam projetar algo sobre ele.  É como se empurrassem um barco vazio pela correnteza, ele vai sendo levado embora por ela com ninguem a bordo. Isso me faz pensar em uma espaçonave vazia à deriva no espaço desconhecido ou algo assim. Mas não tem nada a ver com a gente. Para nós é somente a música nada mais.

Suponho que existe um senso de humor que vem a calhar quando você coisas como as camisetas BFG Known Pleasures ou a do Mickey Mouse. Que conexão deveria ter entre Mickey Mouse e o Joy Division?

MORRIS: Nenhuma, tenho que admitir. Aquilo me pegou. Me confundiu… a ponto de me enfurecer. Me deixou muito confuso, muito irritado mesmo… por que Mickey Mouse quer uma camiseta do Joy Division? Ele nunca foi a nenhum de nossos shows. Ou talvez sim… Eu não sei. Foi adotado por pessoas que não sabem que isso é diferente de um “Isso é legal!”. Há toda uma história por trás desse símbolo e eu acho que tem alguem escrevendo um livro sobre o que era. É um pulsar. PSR B1919+21. Peter Saville disse que há um livro escrito sobre isso. Quem escreveu foi um astrofísico. Então, creio que não deve ser uma leitura muito fácil.

Você tem um par de luvas de forno do Joy Division?

MORRIS: Elas queimam! Não são a prova de calor! Não, eu não tenho, mas até que era uma boa ideia. Eu gosto de ver os outros fazendo esse tipo de coisa, mas não acho que deveríamos fazer o mesmo.

Você sabe que a maioria das bandas tem um arquivista. É você quando se trata de Joy Division?

MORRIS: Eh… de um modo mais ou menos aleatório. Eu descobri que o arquivista é alguem que roda a sua casa, como se fosse de um reality show, para revirar seu lixo e dizer quanto ele vale. E ele anota tudo o que você tem. Eu só tenho um monte de gavetas de móveis de cozinha antigos caindo aos pedaços e com ratos vivendo nelas. Eu tinha um cachecol do Ian, mas os ratos o comeram. Sobraram apenas alguns pedaços. Um arquivista seria executado por isso. O arquivista saberia tudo o que vale a pena e o que eu tenho não passa não passa de uma pilha de lixo.

Você ainda tem o anúncio que os outros três publicaram após demitirem Steve Brotherdale [N.T.: baterista que antecedeu Morris no Joy Division quando a banda ainda se chamava Warsaw]? Você se lembra o que ele dizia?

MORRIS: Era um anúncio muito simples. Dizia apenas “Precisa-se de baterista para a banda punk local Warsaw. Falar com Ian”. E tinha um número de telefone. Eu saí para comprar um pastel para o meu chá, desci a ladeira e lá estava o anúncio nas bancas de jornais. Eu tinha visto o nome porque eles já tinham me convidado antes. Essa história está no meu livro. Na verdade, eu não deveria dizer isso, porque vai estragar a surpresa. Não é no meu livro! Eu não tenho livro. Eu só estou escrevendo uma sitcom. A única razão pela qual eu telefonei para o Ian é porque era um número de Mcclesfield. Eu pensei que não teria que ir muito longe para ouvir um “Vá a merda!”. Eu não queria ir até os cafundós de Manchester para ouvir um “Não, obrigado”.

Seria justo dizer que na altura em que você se juntou à banda foi quando eles entraram nos eixos - pararam de se vestir como nazistas gays e começaram a se comportar como um grupo sério.

MORRIS: Estou feliz por você ter tocado nesse ponto. Eu percebi isso também. Eu não sei… Eu poderia dizer que eu fui até eles e disse “Chega desse lance de nazismo, tire esse bigode, fora com esse chapéu… Ian, você precisa ser mais existencial. Vou apenas sentar lá atrás com meu cabelo engomado e uma camista listrada que tomei emprestada dos Beach Boys. Vou contratar o Rob Gretton, o DJ do Rafter’s que me mandava à merda quando eu tocava Patti Smith, para ser nosso empresário e nosso destino será selado”. Eu poderia dizer isso, mas não vou porque não é verdade. Isso nunca aconteceu. Era o que deveria ter sido feito, creio eu.

Creio que Martin Hannett lhes deu apenas um protótipo do digitay delay AMS quando a gravação de Unknown Pleasures começou, mas a forma como ele foi usado para gravar a sua bateria foi fenomenalmente visionária, não foi?

MORRIS: Sim, foi. Basicamente estávamos sampleando antes do adventos dos samplers. Era um protótipo feito pela a AMS em Burnley e ele apareceu com aquela caixinha para matraquear sobre o que foi feito. Você basicamente fazia um som, apertava o botão e fazia o mesmo som de novo. Já tinhamos ouvido falar no Fairlight e coisas do tipo, mas isso foi incrível porque tínhamos aquela caixinha e ele a usou de forma muito inovadora, de um modo que as outras pessoas usariam mais tarde. Sim, ele era um gênio.

Ao longo dos anos Barney e Peter Hook expressaram uma comum aversão à produção desse álbum. No entanto, para mim e para grande parte do público é um dos álbuns mais bem gravados de todos os tempos. Você parece ter mantido um silêncio discreto à respeito disso. Eu queria saber qual é sua impressão agora.

MORRIS: Eu gostei. Sempre o achei muito bom. O que eu sempre tive em mente à respeito de uma gravação é que, quando você faz um disco, ele soa de um jeito, mas quando você vê a banda ao vivo, ela soa de outro modo qualquer. Quando se ia a um show do Joy Division, você era jogado contra a parede pelo barulho. Havia muita paixão e energia. Era muito físico. Mas quando você se senta em seu quarto para ouvir o disco ele fica na sua cabeça e eu meio que gosto de álbuns que soam como se te levassem para outro lugar ou que sugerem estados de espírito. Martin se saiu muito bem criando estados de espírito com sons e isso era o que ele estava tentando fazer com Unknown Pleasures com os barulhos de elevadores e coisas assim. Ele fez isso muito bem, falando um monte de merda na maioria das vezes, é verdade. Mas essa era a ideia: a gravação deveria soar como um disco de outro mundo, como se tivesse sido gravado na lua. Eu gostei porque soava estranho. Eu não acho que agora as pessoas o sintam da mesma que nós nos sentimos, por exemplo, com relação a “Sister Ray”. Eu apenas pensei que era estranho, mas inteligente. Eu não achava que ele entraria para a história.