Peter Saville por ele mesmo
08 de setembro de 2014, 16:15.
No dia 29 de maio de 2011, o site do periódico britânico The Guardian publicou uma matéria assinada por Gareth Grundy na qual o celebrado designer Peter Saville, um dos fundadores da extinta Factory Records, comentava as favoritas entre as capas de discos que assinou para o Joy Division e o New Order ao longo de mais de três décadas de parceria. O que o site N.O. Way traz agora aos fãs com exclusividade é uma versão traduzida da matéria/entrevista no embalo da assinatura do contrato do New Order com a Mute Records, do qual Saville também participou, o que quer dizer a dobradinha seguirá firme pelos próximos anos.
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PETER SAVILLE SOBRE SUAS CAPAS DE DISCOS (link para acessar a matéria original em inglês)
No próximo mês será lançado Total, a primeira compilação que combina os catálogos do Joy Division e do New Order, e que foi compartilhado pelos membros da banda, por uma gravadora e por um designer gráfico. Peter Saville foi co-fundador da Factory Records e credita à cultura única da gravadora a liberdade criativa que foi proporcionada a ele e às bandas. “Eu tive a oportunidade de fazer o tipo de objetos que eu queria ver na minha vida”, diz Saville, que desenhou o uniforme da Seleção Inglesa de futebol, além de ter produzido artes para anúncios da Dior e de ter sido diretor de criação da cidade de Manchester. Aqui ele nos fala sobre seus projetos gráficos favoritos para as capas dos discos do Joy Division e do New Order.
UNKNOWN PLEASURES JOY DIVISION (Factory, 1979)
Essa foi a primeira e única vez que a banda me deu algo que gostaria de ver em uma capa. Me encontrei com Rob Gretton, que os empresariava, e ele me deu uma pasta de material na qual continha uma imagem de onda contida na Enciclopédia de Astronomia de Cambridge. Eles me deram o título também, mas eu não havia escutado o álbum. O padrão de ondas foi muito apropriado. Foi obtido a partir do primeiro pulsar, o CP1919, por isso é bem provável que o gráfico emanava de Jodrell Bank, que é uma referência local para Manchester e o Joy Division. E é ao mesmo tempo técnico e sensual. É conciso e estreito, como a bateria do Stephen Morris, mas também é fluido: muitas pessoas pensam que é uma batidade de coração. Perguntei a Rob sobre isso e, cá entre nós, senti que não isso não era uma coisa cool. Foi o momento pós-punk e éramos contra o estrelato exagerado. A banda não queria ser pop star.
CLOSER JOY DIVISION (Factory, 1980)
Essa capa para o segundo ábum do Joy Division foi como uma obra de antiguidade, mas por dentro é um disco de vinil, por isso é uma justaposição pós-moderna de uma peça contemporânea abrigada no antigo. No início, eu não acreditava que a foto era uma tumba real, mas é de fato em um cemitério em Gênova. Quando Tony Wilson (co-fundador da Factory Records) me disse que Ian Curtis tinha morrido, eu disse “Tony, temos um túmulo na capa”. Houve uma grande deliberação quanto à possibilidade de se prosseguir com ela. Mas a banda, Ian incluído, tinha escolhido aquela foto. E o fizemos de boa fé e não com sensacionalismo pós-tragédia.
BLUE MONDAY NEW ORDER (Factory, 1983)
Eu tinha ido me encontrar com a banda no estúdio e Stephen Morris me deu um disquete para levar para casa. Eu achei aquilo um objeto bonito. Naquela época, os computadores estavam nos escritórios, mas não nos ateliês de arte. O disquete informa o design e o código de cores tinha a ver com meu interesse em uma estética determinada por máquinas. Refletia a linguagem visual hieroglífica do mundo da máquina. Por exemplo, o número em seu talão de cheques não é realmente para você, mas para uma máquina leitora. Eu não sei se a história da Factory ter perdido dinheiro com o custo da capa é verdade. Eu enviei a capa direto para as gráficas porque todos estavam com pressa. Eu duvido que a gráfica chegou a dar algum orçamento para a Factory escolher. A banda levaria algum prejuízo, já que era provável que ninguem o tocasse na rádio porque tinha sete minutos de duração. Ironicamente, vendeu muito - e com uma capa cara.
POWER, CORRUPTION AND LIES New Order (Factory, 1983)
O título parecia Maquiavélico. Então eu fui para a Galeria Nacional em busca de um retrato renascentista de algum príncipe sombrio. No fim das contas, era óbvio demais. Eu desisti e fui comprar alguns cartões postais na lojinha do museu. Eu estava com minha namorada na época, que me viu segurando um postal de uma pintura de flores do Fantin-Latour e me disse: “Que tal esse para a capa, já pensou nisso?”. Foi uma ideia maravilhosa. As flores sugerem a maneira pela qual o poder, a corrupção e as mentiras se infiltram nas nossas vidas, porque elas são sedutoras. Tony Wilson teve que telefonar para o diretor da galeria para pedir permissão para usar a imagem. No decorrer da conversa, ele disse: “Senhor, que pintura é?”, para a qual a resposta final foi “Ela pertence ao povo da Grã-Bretanha”. A réplica de Tony foi: “Então eu acredito que o povo a quer”. O diretor disse: “Se você o coloca dessa forma, Sr. Wilson, tenho certeza de que podemos fazer uma exceção nesse caso”.
LOW LIFE NEW ORDER (Factory, 1985)
É a única capa que mostra a banda. Naquele momento eu estava em um impasse - não havia nada conceitual que eu queria colocar na frente. A única coisa inesperada a fazer era uma foto do New Order, o que para banda era algo além dos limites, é claro: eles nem sequer faziam fotos de divulgação. Eles foram fotografados individualmente, de modo que ninguem se sentiu constrangido, e usamos um filme Polaroid para que eles pudessem ver as fotos. Assim que chegamos às fotos que eles gostaram, nós paramos. A tradição é você colocar o vocalista na frente, mas eu queria por a imagem mais forte - e que era a de Stephen Morris, o baterista. Mais tarde eu descobri que eles nunca acreditaram que essas fotos realmente acabariam na capa. Na vez seguinte que eu os encontrei, em um show, eles disseram: “Seu filho da puta!”. Eu não acho que eles gostaram da capa. Essa era a natureza do nosso relacionamento.
TRUE FAITH NEW ORDER (Factory, 1987)
Esse foi o primeiro trabalho feito a partir da vida real. Em 1986 aconteceu um evento traumático em minha vida pessoal e isso me deixou muito sintonizado com o mundo ao meu redor. De repente, eu não tinha mais filtros. Eu estava estacionando o carro numa noite e uma folha flutuou pela janela e eu pensei: “Isso é tão bonito”. Ela foi enquadrada pelo pára-brisas, que é provavelmente isso que eu vi como uma imagem. Então, fizemos uma folha. Fui ao Windsor Great Park com o fotógrafo Trevor Key, voltamos com cerca de 50 folhas e fotografamos duas ou três até que encontramos o ângulo certo. Tinha que ser a forma correta e parecer que estava caindo. Não houve manipulação digital nesse ponto. Eu ainda tenho a folha, mas penso que um dia ela vai se decompor.
TECHNIQUE NEW ORDER (Factory, 1989)
Eu deixei de lado meu interesse por objetos de consumo dos anos 80 e comecei a frequentar a Pimlico Road para olhar as lojas de antiguidades. Foi em uma delas que vi o querubim que usamos em Technique. Tinha sido um enfeite de jardim e o alugamos para ser fotografado. É uma imagem muito dionisíaca, que se ajusta ao momento pouco antes da última crise financeira e do novo hedonismo embalado por drogas do cenário musical. Também é o meu primeiro trabalho irônico: todas as outras capas foram de alguma maneira idealistas ou utópicas. Eu tinha essa ideia de que a arte e o design poderiam fazer do mundo um lugar melhor. Em alguns aspectos, é também bastante neo-Warhol. E antes mesmo de ter visto a capa, Rob Gretton sugeriu Peter Saville’s New Order como título para o álbum, tal como em Andy Warhol’s Velvet Underground. Para a banda, isso soou como um “balão de chumbo”.
REGRET NEW ORDER (London, 1993)
Eu estava falido após a recessão e isso me fez olhar mais criticamente para o mundo. Eu peguei uma cópia de Spiritual America, de Richard Prince, no Museu de Arte Walker, em Minneapolis, e então percebi o quão estranha era a América contemporânea. Mais tarde, passei um mês em Los Angeles e havia algo sobre essa experiência que era como o fim do mundo. Não existe lugar mais à deriva, é a “praia terminal” onde o mundo ocidental se lava. Foi a primeira vez que eu fiz uma capa do New Order ouvindo o disco. Eu pus numa folha de papel tudo o que veio à mente. Eu escrevi cowboy para “Regret" por causa do jeito como a coisa rolou. Cowboys como referência a Richard Prince e ao “Marlboro Man” do Sunset Boulevard. Imagens justapostas se misturando em algo fundido, eis a maneira como você pode ver o mundo se estiver tendo alucinações1.
(1N.T.: Alguns esclarecimentos adicionais são necessários para tornar os comentários de Saville sobre esse trabalho mais compreensíveis para os leitores, bem como a respeito do motivo pelo qual nós direcionamos os internautas para esta página toda vez em que o termo Spiritual America for "clicado". Richard Prince foi um dos precursores da chamada "refotografia", um conceito que designa o ato de fotografar uma foto já existente. Em Spiritual America, Prince "refotografou" uma foto de Garry Gross na qual a atriz Brooke Shields aparece nua em uma banheira aos dez anos de idade. Prince também foi o autor de uma série de imagens de cowboys refotografadas de anúncios de cigarros Marlboro. Além do tema em comum com a série produzida por Prince, a capa de "Regret", ela própria, é um exemplo do uso da refotografia: a foto original foi usada na capa do disco Gunfighter Ballads, de Jimmy Dean & The Trailmen, de 1973).
RETRO NEW ORDER (London, 2002)
Eu estive na loja de Helmut Lang em Nova Iorque e na entrada havia uma montagem constituída por duas grandes águias entalhadas em madeira em torno de uma enorme glitterball. Mais tarde, quando me foi encomendada a capa de Retro, eu não conseguia tirar as águias e aquela bola da minha cabeça. Representa tanto o Joy Division quanto o New Order. A águia era o obscuro, o chocante, o gótico e a origem da banda - Joy Division. A bola de espelhos foi o que aconteceu depois, que era o New Order. A bola foi deliberadamente quebrada, então a águia foi à discoteca ver o que aconteceu. Helmut Lang nos deu permissão para fazer referência ao seu trabalho. Foi uma sessão de fotos memorável. Tilly, a águia, é uma bela ave, ela faz um monte de trabalhos para a TV, mas quando uma criatura como essa está perto de você é, na verdade, bem assustador.
TOTAL: FROM JOY DIVISION TO NEW ORDER JOY DIVISION / NEW ORDER (Rhino, 2011)
Eu percebi de que se tratava de um disco que seria vendido em supermercados ou que teria um anúncio na TV. Então a capa tem uma estética de liquidação. Se você abrir o encarte, ele diz “Total”, mas se dobrá-lo você apenas vê um “O”. Ele diz “do Joy Division ao New Order”. Eu não suportava as palavras “O Melhor De” (The Best Of). É um longo caminho desde a pequena loja de discos independente até à Tesco, quase 33 anos. Na Factory eu tinha uma liberdade sem precedentes em termos de comunicação visual. Nós vivemos um ideal, sem negócios à frente das decisões.