A história por trás de "Crystal"

27 de junho de 2014, 09:54.

Com a ressurreição da Factory Benelux (antiga licenciada da Factory Records para Bélgica, Holanda e Luxemburgo) pelas mãos de James Nice, o homem que já havia relançado em CD boa parte do catálogo da gravadora pela LTM Recordings, alguns fonogramas de interesse para os fãs do New Order acabaram vendo a luz do dia recentemente. Primeiro, uma versão ao vivo, já conhecida pelos colecionadores de bootlegs, de "Your Silent Face", que apareceu no recém lançado álbum beneficente Of Factory New York. Agora, com o lançamento de Collaborator, um CD do produtor e DJ inglês (mas radicado na Alemanha) Mark Reeder que reúne material oriundo de suas parcerias com diversos artistas, saiu da gaveta pela primeira vez a "demo mix" originalíssima de "Crystal", que antes de se tornar um hit do New Order (a faixa aparece no álbum Get Ready, de 2001), foi uma tabelinha entre os vocais de Bernard Sumner, uma base viajante do também DJ (húngaro) Corvin Dalek e a edição/produção de Reeder. 

A seguir, o N.O. Way apresenta uma tradução do relato de Corvin Dalek extraído da página de sua gravadora (FummelerumCompany.de) no Soundcloud sobre a verdadeira história por trás dessa que se tornou uma das faixas clássicas do repertório do New Order.

“Provavelmente essa é a faixa mais importante da minha vida. Na verdade, eu produzi a parte instrumental bruta por volta de 1997 e foi a primeira música que eu já havia finalizado corretamente. Naquela época eu não tinha muita noção sobre produção musical, a não ser minha própria experiência com discotecagem e sobre como a música de clubes deve soar. Ao fazer essa faixa, eu estava à procura de uma atmosfera que eu queria que soasse como ‘se perder em um espaço infinito’ ou ‘uma espécie de melancolia, infinito e desejo’.

Discotequei um bocado nessa época e organizei festas ao sul da República Checa com o DJ Michael Burian. Foi ele que me apresentou a discotecagem com discos de vinil. Para expandir nossas fronteiras, começamos a promover os nossos próprios eventos. Convidamos DJs e artistas interessantes e descobrimos uma nova dimensão de discotecagens e de tudo relacionado a promoção de festas e eventos.

Minha música foi profundamente influenciada nesse momento pelo som dos clubes de Berlim, especialmente pelas gravações da MFS (Mastermind For Success), que foi fundada por Mark Reeder em 1990 aproveitando a infraestrutura de uma antiga gravadora estatal da Alemanha Oriental, a AMIGA, que fazia parte da Deutsche Schallplatten (Registros Alemães, uma subdivisão da Volkseigener Betrieb,  a ‘Empresa de Propriedade do Povo’), para construir seu próprio sonho de um projeto de um selo independente no coração da Europa. Seu verdadeiro desejo para a etiqueta era apoiar jovens artistas europeus orientais e proporcionar-lhes uma plataforma. Um garoto do antigo lado oriental, ninguém menos que Paul Van Dyk, cresceu em suas mãos. Mark descobriu Paul, o apoiou e lançou seu primeiro hit, ‘An Angel’ (1994), como parte de um disco de 45RPM. Ele também lançou faixas de Cosmic Baby, Neutron9000, Marco Zafferano, Mijk Van Dijk, Ellen Allien e Johnny Klimek, só para citar alguns poucos que produziram música com Mark na época. Bons projetos de Trance e Techno. Convidamos alguns deles para tocar em nossas festas e aprendi um monte de coisas simples, mas grandes. Finalmente, tornamo-nos inspirados o bastante para darmos esse passo fundamental na direção de produzir e fazer a nossa própria música também.

Enviei minhas faixas para Mark e o som chamou sua atenção. Ele me convidou mais tarde para trabalhar com ele depois que me mudei para Berlim em 1998. Foi um momento de grande agitação para a gravadora. Paul Van Dyk tinha acabado de sair da MFS. O cenário mundial o seduziu e ele queria ser uma estrela maior e mais brilhante.

Mark estava interessado em começar algo novo e fresco. Eu comecei a colocar minha própria criatividade no projeto MFS de Mark da melhor maneira que pude. Mark levou-me sob suas asas e me guiou por um caminho por ter me apresentado a muitas coisas. Ele me deu ideias, inspiração e alimentou meu próprio som e estilo e vimos coisas olho no olho em muitos níveis. Nos divertimos muito produzindo nossas ideias em singles, álbuns, músicas e compilações de DJs ou apenas criando obras de arte. Nós agendamos eventos e tocamos no mundo todo. Foi uma experiência completa, de tempo integral e muito além...

Um dia, um grande amigo de Mark desde os primeiros tempos de Joy Division, Bernard Sumner (o vocalista do New Order) mandou seus vocais gravados para uma faixa, que Mark chamou de ‘Crystal’. Bernard quis apoiar seu velho amigo durante esse período difícil e ajudá-lo depois que Van Dyk havia decidido pular fora do barco.

Mark me deu as fantásticas partes vocais e uma vez em casa, só por diversão, eu as adicionei sobre a faixa instrumental feita em 1997. Eu fiquei totalmente perplexo quando ouvi os resultados. Era como um grande chute na bunda, porque soaram feitas uma para a outra. Eu imediatamente a toquei para Mark e ele concordou. Não podia acreditar. Elas combinavam perfeitamente.

Com o inglês perfeito de Mark, nós ajustamos a faixa e editamos os vocais para que se encaixassem perfeitamente sobre a base e nós finalizamos uma demo (essa é a versão que agora você pode ouvir no CD ‘Collaborator’). Eu acho que se tornou uma música perfeita para uma tarde ensolarada de verão.

Mark enviou o mix para Bernard e ele adorou. Infelizmente, Bernard enviou para o A&R do New Order na London Records – Pete Tong. Poucos dias depois, Mark recebeu um telefonema desesperado de Tong, que lhe disse: ‘Você não pode lançar essa faixa! É a melhor canção do New Order desde ‘Blue Monday’’ e implorou para que Mark persuadisse Bernard para que a gravasse como música do New Order. O único problema é que os membros do New Order não se falavam há uns três anos, tinham praticamente parado de trabalhar juntos e estavam separados. Difícil? E Mark respondeu que na verdade Bernard tinha gravado a música para ele e lhe dado de presente. Mas Tong gemia e resmungava e, afinal, Mark falou com Bernard e o New Order e ‘Crystal’ foi provisoriamente reformada. Mark até sugeriu que Mark Stent deveria produzir a versão do New Order. Mas, em seguida, houve um outro problema. O que fazer com as mixagens da MFS? Mark concordou relutantemente com Tong que esperaria até que os lançamentos do New Order saíssem antes de liberar os da MFS, porém Tong determinou que minha demo não deveria ser lançada e nos pediu para não liberá-la. Como ele a descreveu, era ‘uma pequena e rústica demo, a canção merece algo melhor’. Mark gentilmente concordou. Por isso, nunca foi terminada e nunca foi lançada”.