Rock N'Fall e Lollapalooza BR: saiba como foram os shows em Montevidéu e São Paulo

08/04/2014 15:19

Depois de bater o cartão nas edições chilena e argentina do Lollapalooza, havia chegado a hora do New Order atravessar o Rio da Prata para pisar em solo uruguaio e se apresentar no modesto festival Rock N’Fall, no Teatro de Verano Ramón Collazzo, em Montevidéu. Esta seria a primeira passagem da banda pelo país e, a princípio, sua participação no evento não estava originalmente programada. O Rock N’Fall inicialmente aconteceria em apenas um dia (01/04) e seu line up era formado pela banca local Hermanos Laser e uma pequena amostra do que estava rolando no Lollapalooza: Vampire Weekend, Pixies e Johnny Marr. Foi então que a produtora do festival descolou uma data extra para acomodar o New Order (03/04), que teria sua apresentação aberta pelas bandas uruguaias Campo e Poncho. Entretanto, das duas, apenas a primeira subiu ao palco, podendo assim mostrar ao longo de uma hora sua interessante mistura de rock, pop eletrônico e ritmos autóctones.

Vale lembrar também que inicialmente o show seria realizado no parque de exposições agrícolas Rural del Prado, também em Montevidéu. Todavia, a mudança se mostrou bastante acertada. Não somente porque o cenário proporcionado pelo Teatro de Verano era mais charmoso e cool – um anfiteatro com um palco sob uma concha acústica às margens do Rio da Prata – mas também porque o tamanho do lugar se mostrou mais apropriado frente ao montante de ingressos vendidos. No Rural del Prado certamente seria um grande fiasco, pois o que se viu no Ramón Collazzo não era de arrebatar os olhos: o anfiteatro, com capacidade para 4.200 pessoas, estava com somente 1/3 de suas arquibancadas ocupadas. Provavelmente, este deve ter sido o menor público para o qual o New Order tocou na América do Sul desde 1988.

Mesmo assim, a plateia presente não era desanimada. Parecia, sim, predominantemente mais velha/adulta do que se viu, por exemplo, no Lollapalooza Chile, ou até mesmo em passagens anteriores da banda pelo continente. Em outras palavras, a proporção de garotinhas e garotinhos com camisetas do Joy Division era bem menor. Mas o que parece ter contido mesmo as explosões de euforia e a catarse durante a (excelente) atuação da banda nem foi tanto a idade um pouco mais avançada dos presentes, mas sim o design do espaço. Toda a área destinada a plateia é ocupada pelas já mencionadas arquibancadas, feitas de concreto e que são permanentes/fixas. Naturalmente ninguém ousou ver o New Order sentado, mas o simples fato de ter que assistir ao show de pé sobre a arquibancada limita em demasiado a movimentação do público, que só pôde urrar, bater palmas e balançar o corpo de forma mais contida. Uma pena, porque além do New Order ter feito uma bela apresentação, o som estava impecável.

 

O set list foi quase o mesmo de Buenos Aires, exceto por uma surpreendente mudança: no lugar de “Regret”, que sempre é tocada após “Crystal”, a banda a substituiu por “Transmission”, do Joy Division, que costuma aparecer eventualmente nas encores.  Esta, aliás, foi rigorosamente igual as de Chile e Argentina, com “Atmosphere” e “Love Will Tear Us Apart”, ambas também do Joy Division.

Uma vez cumprido o compromisso em Montevidéu, havia chegado o momento de carimbar o passaporte para o Brasil. O show no Lollapalooza de São Paulo, no Autódromo de Interlagos, seria o desfecho da turnê sulamericana – e o começo de uma pausa que se estenderá até julho, quando a banda iniciará uma excursão pela América do Norte.

Apesar de ter sido escalado para fechar a segunda noite do Lollapalooza aqui no Brasil, o New Order não era visto – nem tratado – como uma das grandes figuras do festival. Nesse aspecto, Soundgarden, Nine Inch Nails, Muse e Arcade Fire é que eram tidos como as principais estrelas. A maior prova disso é que a produção pôs o New Order em um palco de valor secundário – “Palco Interlagos” – no qual se apresentaram atrações de estilos e públicos tão díspares como Brothers of Brazil (covers), Savages (post-punk e gótico revival), A Fire Inside (punk) e Jake Bugg (Johnny-Cash-Bob-Dylan-Neil-Young-wannabe versão teen). Para piorar a situação, seu show foi programado para ocorrer no mesmo horário da apresentação do Arcade Fire, banda que vive hoje seus dias de glória e cuja audiência não para de crescer. Diante desse quadro, ninguem esperava menos que um show do New Order vazio, quase que exclusivo para os fãs. Mas, na verdade, não foi bem assim.

De uma certa maneira, bons ventos sopraram para o Palco Interlagos nesse último domingo – e eles podem ter saído do Palco Onix, a dois quilômetros de distância, durante o show do guitarrista Johnny Marr. Este dedicou ao New Order a música “Getting Away With It”, que gravou com Bernard Sumner quando os dois formavam a dupla Electronic nos anos 1990. Logo, o que se viu entre 20:30 e 22:00 foi memorável. Por isso mesmo, estranha a resenha escrita por Letícia Mendes e publicada pelo site G1 logo após o show. Segundo a jornalista (?), a banda pouco empolgou o público e só tocou seus grandes sucessos no final.

Realmente, não sei exatamente de qual show do New Order ela estaria se referindo, porque definitivamente não foi esse do Lollapalooza Brazil. Em primeiro lugar, sim, “Bizarre Love Triangle” e “Blue Monday”, dois dos seus maiores sucessos, foram tocadas no bloco final, mas quem realmente conhece alguma coisa de New Order (e parece que não é o caso de Letícia Mendes) sabe que todo o show foi um desfile de canções clássicas, como “Ceremony”, “Age of Consent”, “Your Silent Face”, entre outras. Em segundo, a audiência deu sinais ululantes de aprovação e regozijo no começo, no meio, no fim... A empatia (e a sintonia) entre a banda e a plateia foi absoluta. Este foi o show que se viu (e se sentiu) ali no meio da multidão (e que certamente foi em parte capturada pela transmissão ao vivo para o canal Bis).

Como de praxe, eles subiram ao palco embalados por uma melodia de Ennio Morricone. Stephen Morris assumiu o seu posto na bateria vestindo uma camiseta azul da Seleção Brasileira; Bernard Sumner tinha outra, amarela, em suas mãos. Ele cumprimentou o público exibindo orgulhosamente a parte de trás dela, onde se lia o seu nome sobre o número “10”. O baixista Tom Chapman também tinha pendurado sobre o seu amplificador uma camisa verde, na qual se lia “Brasil”. Mas o que parecia uma entrada populista acabou terminando num típico momento de humor troll de Sumner quando ele abriu a boca para dizer: “Estamos em São Paulo. Estamos no Brasil. Manchester United!”.

Não foi a única vez em que ele provocou alguns protestos.  Em certa altura do show, disse que não sabia falar uma palavra em português, exceto “obrigado”. Mas em diferentes ocasiões, agradeceu o público com “muchas gracias”. Todavia, na maior parte do tempo a relação de Sumner com os espectadores foi de amor. Sim, ele não tem o carisma e a presença de palco de Peter Hook, mas era tão descaradamente evidente que o vocalista e guitarrista estava se divertindo no palco – algo raro quando se trata de Bernard Sumner – que mesmo com sua voz deficiente e seus risíveis passinhos de dança não é exagero dizer que ele conseguiu reger a multidão: puxou palmas e gritos de “olê, olê, olê, olê... New Order!” e fez todo mundo cantar junto a maior parte das canções.

Em outras palavras, era como se o Arcade Fire nem estivesse tão perto dali fazendo o seu apoteótico show. Havia tanta gente vendo o New Order que era como se não houvesse outra banda fechando a noite. Em nada o que se viu se parecia com as passagens anteriores do grupo pelo Brasil. Ailás, era desconcertante pensar que diante daquele palco havia uma mistura de gerações:  fãs da velha guarda, gente que se sequer tinha nascido em 1988 (quando o New Order esteve aqui pela primeira vez) e garotos que eram crianças quando eles retornaram em 2006 (ainda com Peter Hook) e que não viram uma banda em plena força durante a visita de 2011.

O set list, como de costume, não sofreu drásticas alterações. Seguiu o exemplo de Montevidéu e “Transmission” entrou no lugar de “Regret” (houve pedidos na plateia para que a tocassem, mas os clamores não foram atendidos pela banda). A nova música, “Singularity”, que teve sua estreia no Chile, também deu o ar da graça e teve o aval do público (dava para ver muita gente pulando e dançando como se fosse um velho hit). Sumner, aliás, fez questão de esclarecer que o nome da nova canção não é “Drop the Guitar” e que se os espectadores quisessem saber o significa “Singularity”, que procurassem na Wikipedia. A surpresa da noite foi, sem dúvidas, a substituição de “Isolation”, do Joy Division, por “World (Price of Love)”, do álbum Republic, de 1993. Apesar de mal ensaiada, o que ficou comprovado por causa dos erros, teve seu refrão cantado pelo público.

 

Naturalmente, o bloco final, com “Bizarre Love Triangle”, “True Faith”, “5-8-6”, “The Perfect Kiss”, “Blue Monday” e “Temptation”, foi o ponto culminante. E a encore dedicada ao Joy Division, como de costume, levou muita gente às lagrimas. O público até tentou persuadi-los a voltarem para o palco mais uma vez com gritos de “New Order! New Order!” – em vão. Contrato é contrato: estava programada uma hora e meia de show e assim foi, com pontualidade britânica. A música nova, talvez, seja um prenúncio: álbum inédito daqui há alguns meses (já estão trabalhando em novas músicas desde o ano passado), depois uma turnê de divulgação e, quem sabe, eles não estarão de volta por estas terras daqui há um ano e meio ou dois?

Mas isso são especulações. O que importa é que o New Order se despediu da América do Sul com uma apresentação de gala: boa sonorização, ótima atuação e uma plateia que foi um espetáculo à parte. O incrível é que, apesar das indiscutíveis qualidades do show, muitas resenhas alhures disseram que Peter Hook fez falta, embora sem dizer especificamente que aspecto do show teria sido afetado pela sua ausência. Coisa de uma “mídia papagaio” que hoje em dia desperdiça seu tempo escrevendo sobre o que se escreve sobre os fatos e não sobre os próprios fatos – e que por essa razão acaba repetindo e perpetuando chavões ao invés de formar opinião. 

SET LISTS:

MONTEVIDÉU 03 Abril SÃO PAULO 06 Abril
Elegia
Crystal
Transmission
Singularity
Ceremony
Age of Consent
Isolation
Your Silent Face
Bizarre Love Triangle
True Faith
5-8-6
The Perfect Kiss
Blue Monday
Temptation
Atmosphere (encore)
Love Will Tear Us Apart (encore)
Elegia
Crystal
Transmission
Singularity
Ceremony
Age of Consent
Your Silent Face
World (Price of Love)
Bizarre Love Triangle
True Faith
5-8-6
The Perfect Kiss
Blue Monday
Temptation
Atmosphere (encore)
Love Will Tear Us Apart (encore)


 

Créditos fotos: Andrew Robinson (Prime Management) @ New Order Now.