New Order ao vivo no Sambódromo do Anhembi (UMF/Brasil, São Paulo)
Certos questionamentos são impossíveis de se conter. Afinal, que motivo levaria os organizadores da primeira edição brasileira do “maior festival de dance music do planeta” a escalar um certo Swedish House Mafia como a grande estrela do evento quando o cast incluía uma veterana banda inglesa que influenciou e inspirou, no mínimo, a metade dos nomes escalados? Ou os produtores do Ultra Music Festival realmente desconheciam a dívida da cena eletrônica indie contemporânea com o New Order, ou resolveram contratar o grupo como “tapa-buraco”, porque fica difícil entender o que levaria alguem desse meio a programar apenas uma hora de show dos caras espremida entre as apresentações do Soulwax e de um tal de... Alesso!
Mas isso acabou se tornando um mero detalhe se comparado, obviamente, ao burburinho da inesperada volta do New Order depois de uma confusa ruptura em 2007. Após a turnê do álbum Waiting for the Sirens’ Call (2005), que inclusive passou pelo Brasil, a crise interna foi se transformando, aos poucos, num nervo exposto, culminando na famosa entrevista em que o ex-baixista Peter Hook declarou que o N.O. havia terminado. Indignados, os outros dois terços da banda, o vocalista e guitarrista Bernard Sumner e o baterista Stephen Morris, se apressaram em dizer aos jornalistas que Hook não falava por eles e que o grupo continuaria. De lá para cá os dois lados trocaram farpas em público até que, para a surpresa de todos, o New Order voltou à cena com um outro baixista (Tom Chapman), com a tecladista Gillian Gilbert de volta e a com a manutenção do guitarrista Phil Cunningham, incorporado ao time desde a turnê do CD Get Ready (2001). É com esta formação, que estreou em dois concertos beneficentes há pouco mais de um mês, que o New Order faz sua terceira vinda ao Brasil (a primeira foi em 1988).
A pergunta de R$ 210 (preço dos ingressos do UMF/Brasil) é: sem Peter Hook, o novo New Order ao vivo consegue se sair bem? Quem os acompanha sabe, de longa data, que o N.O. nunca foi uma banda “de estrada”, ou seja, não é muita afeita aos palcos, logo suas performances costumam ser tépidas. Entretanto, “Hooky”, como é conhecido o baixista, é um músico de carisma e presença de palco incontestáveis, então era ele, com suas poses, caras e bocas, quem determinava onde seus olhos deveriam se fixar. Sem ele, o que restou da banda teve que encontrar novos artifícios. Um deles foi o uso de vídeos/projeções durante as canções, algo inédito em trinta anos de carreira. Além disso, a banda apresentou novos arranjos para antigos hits como “Bizarre Love Triangle”, “True Faith” e “Temptation”, chegando a utilizar samples de versões remix.
Aliás, o “lado bom” de se dispor de apenas uma hora de show e de não estar sob pressão de ter que divulgar um álbum novo é que se pode usar esse tempo para tocar apenas o créme de la créme de seu catálogo. A vantagem de ser uma banda como o New Order é justamente essa: quando se tem um repertório aprovado pelo público e que resistiu à prova do tempo, não é preciso fazer tanto esforço. É por isso que, mesmo sem Peter Hook, “Ceremony”, “Age of Consent”, “The Perfect Kiss” e “Blue Monday” continuam tão belas e tão perfeitas, ainda que o som não tivesse ajudado muito. Na verdade, a sonorização foi o grande fiasco da noite: o áudio começou absurdamente alto, barulhento e embolado, e só foi melhorar um pouco lá pela metade do show.
Quanto ao novo baixista, este soube cumprir seu papel com dignidade. Em nenhum momento tentou fingir ser um novo Peter Hook e apenas se limitou a tocar – quase perfeitamente, diga-se – aquelas famosas linhas de baixo. Apesar da tarefa ingrata, parecia estar tranquilo e bem à vontade. Já Phil Cunningham, após o retorno de Gillian Gilbert, tornou-se um mero acessório decorativo na maior parte do tempo. Não foi difícil sair do show sem se perguntar se sua permanência na banda ainda é necessária. Para um banda cujo "quinto membro" sempre foi a tecnologia - baterias eletrônicas, sequenciadores e samplers - voltar à ativa como quinteto no sentido literal parece algo sem propósito. Em apenas três músicas Cunningham realmente acrescentou músculos extras: mais alguns teclados em "True Faith" e guitarras em "Crystal" e "5-8-6".
Descontando a saída de Peter Hook, algo que todo fã do New Order lamentará para o resto da vida, este foi um show prejudicado pelo pouco tempo disponível, o que impôs um formato mais enxuto e menos espontâneo, e por uma sonorização pavorosa. Fora isso, o que se viu foi um New Order ainda em boa forma e, principalmente, soando bastante atual. Genérico eficiente? Banda tributo? Bom, essa discussão é melhor a gente levar para o bar...
SET LIST:
Crystal
Ceremony
Age of Consent
Bizarre Love Triangle
True Faith
5-8-6
The Perfect Kiss
Blue Monday
Temptation
Vídeo de "5-8-6":