N.O. Way avalia "Tocando à Distância", a edição brasileira de "Touching From a Distance", de Deborah Curtis
Na última sexta-feira, dia 30 de maio, foi lançado no Brasil (e com nada menos que dezenove anos de atraso) a edição nacional do livro Touching From a Distance: Ian Curtis and Joy Division, escrito por Deborah Curtis e publicado na Inglaterra pela editora Faber & Faber, e que por aqui ganhou o título Tocando à Distância: Ian Curtis e Joy Division, com tradução do jornalista José Júlio do Espírito Santo, que escreve para a versão tupiniquim da “Rolling Stone”, além de ser colaborador do site “Scream & Yell”. O livro, que foi originalmente prefaciado pelo jornalista britânico Jon Savage, ganhou um prefácio à edição brasileira redigido pelo radialista e DJ Kid Vinil. Vale lembrar que Touching From a Distance já havia ganhado uma edição em português ainda nos anos noventa pelas mãos da editora lisboeta Assírio e Alvim, intitulada Carícias Distantes: Biografia de Ian Curtis e Joy Division, com tradução de Ana Cristina Ferrão.
A iniciativa do lançamento do livro no Brasil coube à Edições Ideal, que se especializou no nicho de rock e cultura pop. A escolha de Touching From a Distance em vez de Unknown Pleasures: Inside Joy Division, escrito pelo ex-baixista Peter Hook e lançado lá fora no ano passado, talvez tenha uma explicação lógica: o filme Control, que levou às telas a história de Ian Curtis e do Joy Division, foi feito com base no livro de Deborah, a viúva do finado vocalista/poeta. E a película foi lançada no Brasil, apesar da limitada distribuição. Logo, o filme dirigido pelo fotógrafo holandês Anton Corbijn (que, inclusive, clicou o Joy Division inúmeras vezes) vem servindo de isca já alguns meses, quando foi anunciado que a Ideal lançaria o livro.
Para escrever sobre Tocando à Distância, o N.O. Way resolveu encomendá-lo diretamente do site da Edições Ideal. Em vez de comprar a edição comum (brochura), optou-se por uma oferta (por tempo limitado) da loja virtual: um combo com a versão com capa dura, uma camiseta (tamanho único) com a icônica imagem do álbum Unknown Pleasures e um bottom com a mesma foto da capa, tudo ao preço de R$ 64,90 e com frete grátis. Deve ter feito muito sucesso, porque no momento em que este texto foi escrito, tanto o combo quanto a edição com capa dura vendida individualmente já não estavam mais disponíveis no site (nota: a nossa encomenda foi feita no dia 02 de junho).
As boas impressões começaram logo com a chegada do pacote. Ao abri-lo, o que se vê é que todos os itens do combo vêm muito bem guardados dentro de uma embalagem plástica negra sobre a qual mais uma vez temos impressa a clássica imagem do pulsar CP 1919 de Unknown Pleasures. De cara a apresentação já deixa uma sensação de “vale o quanto pesa”. O único problema é que é praticamente impossível abrir a embalagem sem destruí-la de tão bem selada. Paciência – o que realmente importa é o que vem dentro dela.
Comecemos então pelos “mimos”. Para quem curte colecionar bottons e pins, este oferecido pela Ideal no combo é realmente bem feito, com a arte impressa com excelente definição, ou seja, bem diferente daqueles que se encontram por aí nas galerias de rock feitos com a ajuda de modestas impressoras domésticas. A camiseta, por sua vez, é oferecida em tamanho único, tendendo para o G. É uma pena não ser possível escolher o tamanho, mas não deixa de ser um item muito bonito e que ajuda a compor um belo pacote. Mas, não podemos nos esquecer, o mais importante é o livro. Então, vamos a ele.
Como todo o resto do combo, ele é um colírio para os olhos. Um produto muito bem acabado, impecável em termos de programação visual. Comparado com seu irmão mais velho português, ele já dá um banho só nos quesitos projeto gráfico e diagramação. E as fotos, que na edição lusitana vinham em preto e branco, nos são oferecidas no original, em cores, nesse lançamento brasileiro. Mas o livro nos proporciona mais do que um belo look. Enquanto o volume publicado na terra de Cabral e Vasco da Gama foi traduzido a partir da primeira edição inglesa, o que acaba de sair no Brasil se baseou na reedição de 2001 e, possivelmente, nas suas sucessoras, uma vez que inclui os “bônus” que foram adicionados posteriormente: a atualização da discografia, a lista com todos os shows realizados pela banda, além das letras de todas as canções (traduzidas!), incluindo algumas inéditas.
Um dos maiores problemas com a edição feita em Portugal nem era a tradução meio “cafona” do título, muito menos aquelas diferenças vocabulares entre o português de lá e o de cá (como “digressão” em vez de “turnê”, ou “autocarro” no lugar de “ônibus”), mas a falta de uma boa revisão. De repente, o grupo Quando Quango virou Quando Quando, A Certain Ratio virou A Certain Radio e Bernard Sumner passou a se chamar Bernard Summer. Já a nossa versão, numa primeira leitura apressada, parece ter recebido maior capricho nesse quesito. No entanto, mesmo sem o pente fino, foi possível detectar uma escorregada – que evidentemente começou no tradutor e, depois, passou batida pelo revisor. Na página 72, um crasso erro de concordância salta imediatamente aos olhos em uma frase que se inicia em meados da quarta linha: “Por volta das 22h, ninguém tinham [sic] nem mesmo feito a passagem de som”.
Entretanto, esta nem de longe pode ser considerada a maior gafe do livro. Esse mérito fica por conta do prefácio do Kid Vinil. Esse texto já garantiu boas gargalhadas entre um pequeno grupo de fãs pela tamanha cara de pau. No tal prefácio, ele conta que em uma viagem a Londres em janeiro de 1980 esbarrou com o David J, baixista do Bauhaus, em uma loja de discos, e ao lhe pedir algumas indicações do que comprar, ele lhe sugeriu levar o Unknown Pleasures, do Joy Division, e, também, ir ver a banda ao vivo em um lugar chamado The Venue. Segundo seu relato, ele foi lá, viu o grupo (cujo show teria se baseado no disco Unknown Pleasures) e ficou impressionado, admirado, estupefato. De volta a Inglaterra em abril/maio do mesmo ano, teria tentado ver a banda ao vivo novamente, mas não conseguiu. E no dia 18 de maio, tomou conhecimento da morte de Ian Curtis e “ficou chocado”. No dia seguinte, ele diz ter passado em frente a uma banca de jornais e visto uma foto do Joy feita por Anton Corbijn na capa da “Sounds”.
Agora vem o mico. Como foi muito bem observado por Ricardo “One Brain” Fernandes, atualmente um dos moderadores do fórum Dry 201 Message Pub do site NewOrderOnLine, mas que já foi colaborador da revista “Dynamite” e também responsável pelo melhor site em português sobre o Joy Division que já existiu – “O Eterno” –, tudo não passa de uma grande lorota do Kid Vinil. Vamos aos fatos: (I) O Joy Division jamais fez um show em lugar chamado The Venue e em janeiro de 1980 eles estavam excursionando pela Europa Continental e não por Londres. A própria lista de shows nos "extras" do livro desmente o que está em seu prefácio, mas isso pode ser conferido em outras fontes, como o (excelente) site Joy Division Central; (II) Em 1980 o Joy Division já não fazia mais shows baseado apenas nas canções de Unknown Pleasures, pois nessa época eles já apresentavam ao vivo canções que apareceriam em Closer; (III) O JD nunca foi capa da “Sounds”, muito menos com uma foto do Anton Corbijn, já que nessa época ele fazia fotos para o “New Musical Express”; (IV) O Kid Vinil afirma ter ficado sabendo da morte de Curtis no próprio dia do falecimento, o que só seria possível se ele fosse um amigo íntimo ou alguém próximo da família, porque o primeiro a anunciar publicamente a morte da voz do Joy Division foi o radialista John Peel no dia 19 de maio.
Uma pena os editores não terem se preocupado com a veracidade da história do Kid Vinil. Afinal, estamos falando de um produto que pretendia ser de alto nível. Aliás, de uma maneira geral, ele é. O esforço da editora tem que ser louvado. Inclusive, o tradutor se preocupou em incluir notas de fim de página para fornecer explicações e esclarecimentos adicionais (e muitas vezes indispensáveis) aos leitores, algo que inexiste na edição de Portugal – que por sua vez também merece lá algum crédito, já que durante um bom tempo satisfez a ânsia dos fãs que não leem em inglês. Mas hoje quem merece os parabéns é a Edições Ideal. Kid Vinil, para você ficam as vaias.
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