Peter Hook solta o verbo sobre a autobiografia de Bernard Sumner

Na semana passada, no dia 03 de outubro, o site da revista Billboard publicou uma resenha no mínimo inusitada. Por ocasião do lançamento de Chapter and Verse: New Order, Joy Division and Me, autobiografia / livro de memórias escrito pelo vocalista e guitarrista Bernard Sumner e lançado pela Bantam Press em setembro, a famosa publicação sobre música e cultura pop resolveu convidar ninguem menos que Peter Hook, ex-baixista do New Order e atual "desafeto" de Sumner, para comentar o livro para o jornalista e crítico Richard Smirke. O raio-X feito por Peter Hook foi posteriormente republicado na íntegra pelo site Louder Than War com permissão da Billboard. Aqui no N.O. Way apresentamos com exclusividade uma tradução para o português das impressões do ex-colega de banda (e de infância) de Sumner.

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Hooky: “Para dizer a verdade, eu tenho que admitir que eu sou o único culpado por isso, porque em primeiro lugar eu é que iniciei essa coisa toda do maldito livro. Eu comecei isso entre nós. 

Eu gostei de ler a respeito da vida de Bernard em Salford. Na verdade, preconceitos a parte, como fomos uma grande parte da vida um do outro por uns quarenta e tantos anos, foi bom saber mais sobre sua infância. Embora a parte sobre o Joy Division tenha sido escrita com carinho, eu achei decepcionante a falta de alguma revelação ou atenção aos detalhes. Na banda, nós raramente falávamos em profundidade sobre qualquer coisa. Mesmo após a triste morte do Ian, nós nunca fizemos planos ou falamos sobre como nos sentimos após seu suicídio. Continuo na mesma. 

Quando chegamos à parte sobre o New Order, este é ponto onde, em suas próprias palavras, Bernard “abriu as portas do inferno”. Essa seção salta sobre o tempo, de um ponto qualquer de repente você é jogado seis anos à frente, e algumas das histórias me chocaram. Em uma delas, Bernard afirma que no Real World Studios, durante a gravação do "Sirens", eu chamei [o antigo colaborador da banda e diretor de arte] Peter Saville de “parasita”.

Quando eu li isso, eu não me lembrava de ter acontecido, então eu telefonei para o Peter e disse: “Pete, eu realmente sinto muito se eu fiz isso, mas eu não me lembro”. E ele disse: “Não, eu não me lembro disso também. Isso não aconteceu e eu vou te dizer porque eu acho isso. Se tivéssemos discutido, teríamos nos reconciliado e eu teria me lembrado disso”. A partir de então, Bernard se tornou para mim uma testemunha muito pouco confiável.

Ao que parece, uma forma estranha de sarcasmo do Bernard obscureceu um monte de coisas que ele alcançou no New Order. Para mim, o problema com suas lembranças é que elas visam apenas justificar a tomada, de boa vontade, da marca New Order em 2011 - uma ação que eu vejo como ilegal e contra a qual eu estou lutando. É como um veículo para convencer a si mesmo, os fãs ou mesmo a mim que ele estava certo ao fazê-lo.

No livro ele pula vários álbuns do New Order completamente; não há nenhuma menção dos seus métodos de escrita para música ou letra. Nenhuma menção de seus sonhos ou objetivos para sua música ou o grupo. 

Tenho achado Bernard muito contraditório e sua narrativa sobre mim é cruel e maldosa. Todos nós temos diferentes memórias e todos nós nos lembramos das coisas de forma diferente. No entanto, Bernard só parece se lembrar daquilo que se adequa a seus propósitos. Isso, em muitos aspectos, parece ser um esforço de tirar da história um “baixista-problema”, ou pelo menos de tirar da sua história…

Um ponto-chave é que ele diz que ele e Steve estão indignados por eu tocar o “Unknown Pleasures” com o The Light e ele continua a afirmar que “nós tocamos músicas do Joy Division e do New Order nos shows do Bad Lieutenant. Mas em um set de, digamos, quinze canções, tocamos, no máximo, três. E nós temos apenas um álbum de material próprio”. Lamento, Barney, fizemos o que sua editora deveria ter feito e pelo menos nessas ocasiões, Glasgow, Camden e Liverpool, em março de 2011, bem como nos festivais Friends of Mine e Roskilde em maio e julho desse mesmo ano, o Bad Lieutenant tocou sete músicas do Joy Division e do New Order em cada uma dessas performances. 

Lendo o livro, comecei a me perguntar se Bernard já teve alguma discussão com alguem que não se chamasse Peter Hook. Ele não se lembra que, em 1993, se desentendeu com Steve e Gillian sobre uma entrevista na qual eles disseram que escreveram a maior parte do “Republic”. Bernard enlouqueceu e se recusou a falar ou trabalhar com eles novamente. Ele costumava discutir com Rob [Gretton, empresário da banda já falecido] o tempo todo - principalmente sobre dinheiro - e ele costumava discutir também com Tony [Wilson, o co-fundador da Factory Records] frequentemente também. No entanto, de acordo com “Chapter and Verse”, ele nunca teve uma discussão ou um arranca-rabo com ninguem além de mim. Qual é, Barney?

Na minha opinião, a única coisa que ele odiava no New Order é que houve alguem que não topava tudo o que ele queria fazer. Nós sempre batemos cabeça o tempo todo e foi sempre assim desde que começamos. Isso foi o que sempre fez nossa música tão emocionante e intensa.

É uma vergonha, não somente para nós e os fãs, mas talvez também para as livrarias, que não saberão onde colocar esse livro, se nas prateleiras de fantasia ou nas de tragédia. Fazendo o meu livro sobre o New Order, como eu estou fazendo agora, eu me dei conta de que no começo nós estávamos juntos num inferno daqueles, aí começamos o New Order do nada e fizemos sucesso contra todas as probabilidades. Nos divertimos fazendo isso, nos metemos em um monte de aventuras idiotas. É uma pena que tenha acabado assim. Percebendo o quanto nós éramos bons quando nós dois discutíamos, para o bem da humanidade talvez devêssemos continuar discutindo.

A razão pelo qual eu deixei a banda tem a ver com Bernard, pois eu havia chegado a um ponto em que eu não podia mais tolerar seu comportamento. Estou muito feliz, mas também surpreso por vê-lo tão aparentemente feliz no livro, amando as turnês, os os fãs e a vida.

Deveria eu regressar à banda agora que eles estão todos tão felizes? É algo a se pensar. ;)"