Peter Hook & The Light: Cine Joia, São Paulo, 04 de outubro 2013

06/10/2013 12:10

  

O retorno de Peter Hook e de sua banda-tributo, o The Light, a São Paulo nesta última sexta-feira transformou o Cine Jóia num desfile de camisetas que estampavam a icônica imagem da capa do álbum Unknown Pleasures e que vestiam os corpos de garotos que visivelmente sequer eram nascidos quando o baixista que formou duas das bandas musicalmente mais influentes dos últimos trinta anos (pense em Interpol, The National, Editors, The Killers, Franz Ferdinand, Moby, Arcade Fire etc) estava no auge da criatividade e da fama. No meio dessa moçada, se podia pescar também algumas camisetas mais descoladas, como uma onde se via o “Fac-1” (o pôster que o artista gráfico Peter Saville produziu para a noite de inauguração do Factory Club), ou outra do ARP-Quadra (sintetizador usado pelo New Order, o grande homenageado da noite, no seu material inicial). Essas, por sua vez, faziam parte da indumentária de uma turma mais velha e que construiu sua relação com o New Order – e com o Joy Division também – através de uma longa e cuidadosamente montada coleção de discos durante anos no lugar de downloads e blogs na internet.
 
Além de estar associado a um nome que pertence à memória afetiva de quem hoje está na faixa dos 35-40 anos, ou daí em diante (na década de 1980 muita gente foi apresentada ao som do New Order através do rádio, já que “Blue Monday” e “Bizarre Love Triangle”, entre outras, frequentavam as paradas de sucessos), Peter Hook tem um indiscutível apelo individual, o que explica não apenas o êxito do seu DJ set de duas horas na Flagship Store da Chilli Beans, no bairro Jardins, no mesmo dia horas antes do show como também a venda de todos os ingressos para a apresentação com o seu The Light. Esse “magnetismo” não se deve somente ao modo peculiar de escrever e tocar linhas de baixo (e que ajudaram a definir a sonoridade tanto do Joy Division quanto do New Order): “Hooky” é um autêntico showman, tem presença e carisma incontestáveis, o que agrega um clima especial ao repertório que ele ajudou a criar. Quem hoje faz pose para as incontáveis câmeras e celulares dos fãs do gargarejo enquanto toca sem parecer canastrão ou galhofeiro?
 
Todos esperavam por isso no Cine Jóia – e foram correspondidos em doses generosíssimas. Afinal o show era do Peter Hook, ainda que o repertório não incluísse nada de seus voos solo (Revenge, Monaco e Freebass). Antes do concerto esperado se iniciar (ele e o The Light retornaram ao Brasil para apresentar o novo show no qual executam, na íntegra, os dois primeiros álbuns do New Order, Movement e Power, Corruption and Lies ), às 23:30 o mestre de cerimônias anunciou que subiria ao palco a banda de abertura, uma tal de Slaves of Venus. A reação de uma parte do público foi “Hã? Quem? Que saco...”. Mas eis que surgem sobre o tablado os integrantes do The Light: dois egressos do Monaco, o baterista Paul Kehoe e o guitarrista David Potts, o filho de Peter Hook, Jack Bates, que também dá uma força no baixo, o tecladista Andy Poole e, é claro, Hooky em carne e osso. E sacam, para a alegria de todos e felicidade geral da nação, uma sequência matadora de canções do Joy Division: “Transmission”, “A Means to An End”, “Insight”, “Digital”, “Twenty Four Hours”, “Wilderness” e “Shadowplay”. No final, uma versão etérea e inesquecível de “In a Lonely Place”, tema que faz uma ligação entre o Joy Division (a música foi composta e registrada em fita demo poucos dias antes do vocalista Ian Curtis cometer suicídio) e o New Order (que a gravou e a lançou como lado B do seu primeiro single, “Ceremony”, tema que também foi escrito quando Curtis estava vivo). A plateia aprovou com louvor.
 
Pausa. O público tem que recobrar o fôlego, pois foi um começo e tanto, uma bela amostra do que a noite prometia. Quando a banda retornou ao palco, já eram The Light de novo. E agora sim viria o show que todos tinham pagado para ver. E que show. Abriram com os dois primeiros singles do New Order, ambos de 1981: “Ceremony” e “Procession”. No primeiro, foram adicionados teclados, o que descaracterizou um pouco o arranjo em certas partes; no segundo, tudo foi tocado exatamente como na versão original (se não fosse pela voz de Hooky, era quase como se tivéssemos colocado nossa velha bolachinha de 45 RPM para tocar). Aliás, ficou constatado no Cine Jóia o quanto “Procession” goza de imensa popularidade entre os fãs (foi, certamente, um dos pontos altos do show). Em seguida, “Dreams Never End” deu início à sequência de músicas de Movement, também de 1981, tocadas na mesma ordem do LP. Apesar da sempre alta aprovação do público em praticamente todas as canções do concerto, este bloco de músicas de Movement possibilitou aos olhares mais isentos uma análise global do show tanto em seus aspectos positivos (dominantes) quanto em seus pontos de menor impacto.
 
Da mesma maneira como ocorreu em 2011, quando Hooky esteve aqui para tocar o Unknown Pleasures do Joy Division, o músico passou a maior parte do tempo concentrando-se mais na função de (limitado) vocalista e tirando proveito de seu carisma para afirmar-se como performer, usando seu baixo ora para fazer poses para o público e para os fotógrafos (com o instrumento nas mãos ele é incontestavelmente fotogênico), ora para tocar as introduções, solos, outros, ou qualquer outro trechinho no meio de uma música (mas é sabido, também, que Hooky tem dificuldades de tocar e cantar ao mesmo tempo). Quem segura a onda mesmo durante todo o show é seu filho Jack – que o faz com competência, apesar de não estar tão relaxado e à vontade quanto o pai. Outra questão que vale a pena ser observada é que tocar ao vivo discos aclamados por crítica e público na íntegra sempre pode parecer, tanto do ponto de vista comercial quanto artístico, um bom empreendimento, mas a verdade é que na prática a aventura tem seus altos e baixos no palco. Como o próprio New Order já admitiu em entrevistas antes, existem canções que funcionam bem ao vivo e outras que não. E isso deve valer para qualquer artista e para qualquer álbum, por melhores que sejam. Durante a execução de Movement, um álbum amplamente reconhecido como frio e melancólico, e feito sob o impacto da morte de Ian Curtis e do desmantelamento do Joy Division, momentos reluzentes, como “Dreams Never End”, “Senses”, “Chosen Time” e “Denial” foram entremeados por outros um tanto anêmicos nas vistas dos demais. Foi o caso de “The Him”, por exemplo.
 
Mesmo durante a performance do álbum seguinte, Power, Corruption and Lies (1983), LP no qual o New Order revelou uma faceta mais upbeat quando foi de encontro às (então) novas tendências da música eletrônica, também foi assim. Hooky e o The Light emocionaram a todos com uma versão reverberante de “Age of Consent”; puseram sorrisos nos rostos dos presentes com uma solar interpretação de “The Village”; arrasaram com “5-8-6” (tocada com a introdução igual à da gravação de estúdio, algo que nunca foi feito ao vivo pelo New Order, com ou sem Peter Hook); e tocaram “Ultraviolence” de maneira matadora. Entretanto, “Your Silent Face” parecia um tanto “cozida em banho Maria” (inexplicavelmente o guitarrista David Potts ficou de fora nessa hora) e “Ecstasy”, tema instrumental que o New Order oficialmente nunca tocou ao vivo, soou chata e descartável. Vale dizer que quando retornaram ao palco para à execução de Power, Corruption and Lies (após Movement a banda voltou ao camarim para uma rápida pausa), re-abriram o show com “Cries and Whispers” (em uma excelente versão) e seu Lado A, um clássico dos primórdios do N.O.: “Everything’s Gone Green”.
 
Mas ao final de Power, Corruption and Lies, após “Leave Me Alone”, veio uma nova pausa, desta vez animada ao som de “The Beach”, o remix instrumental de “Blue Monday”, no P.A. Quando a banda retornou ao palco, Hooky apresentou à plateia um convidado: Wayne Hussey, o ex-guitarrista e vocalista do The Mission (e que hoje é casado com uma brasileira e vive em Santo André). Conhecido “arroz de festa” das baladas alternativas de Sampa, Wayne cantou com o baixista e sua banda a sempre-mais-que-obrigatória “Temptation” – porém com a ajudinha de uma estratégica folhinha de papel que trouxe consigo para não errar a letra. Nesse momento, roadies apareceram à beira do palco e arremessaram para a plateia camisetas e bottons nos quais se lia “#brigadovaleu” [sic] (quem sabe uma forma de retribuir a devoção dos fãs brasileiros). Fim de música, hora de Wayne dar adeus aos anfitriões e ao público. Havia chegado o momento de, simbolicamente, pôr o Cine Jóia abaixo: primeiro, com “Blue Monday”, clássico dos clássicos. Era quase como se o próprio New Order estivesse lá (quase, ainda não é a mesma coisa sem Stephen Morris disparando samples e Bernard Sumner cantando ou dividindo os teclados com Gillian Gilbert na seção final, mas dessa vez Hooky e o The Light chegaram bem perto). E o grand finale, é claro, é a boa e velha arrancada em marcha à ré de sempre, “Love Will Tear Us Apart”, do Joy Division, com todo mundo cantando junto, mãozinhas para o alto, Hooky vindo para a beirada do palco deixando que todos o tocassem etc. Ao final, largou seu instrumento, tirou a camisa da Seleção Brasileira com seu nome nas costas que vestia (presente recebido de fãs durante seu DJ set à tarde) e a arremessou para o público, ao melhor estilo rockstar populista, e se despediu diante de palmas e gritos de louvor e aprovação. Jogo ganho com o público no bolso o tempo inteiro, apesar dos perdoáveis pecadilhos, como o fato do show ter ficado longo demais (quase três horas de concerto, contando com a “abertura” do Slaves of Venus), ou a opção por manter-se o mais próximo possível dos arranjos originais, apesar das diferenças de tecnologia.  
 
SET LIST:
 
Transmission (como “Slaves of Venus”)
A Means to An End (como “Slaves of Venus”)
Insight (como “Slaves of Venus”)
Digital (como “Slaves of Venus”)
Twenty Four Hours (como “Slaves of Venus”)
Wilderness (como “Slaves of Venus”)
Shadowplay (como “Slaves of Venus”)
In a Lonely Place (como “Slaves of Venus”)
Ceremony
Procession
Dreams Never End
Truth
Senses
Chosen Time
ICB
The Him
Doubts Even Here
Denial
Cries and Whipers
Everythig’s Gone Green
Age of Consent
We All Stand
The Village
5-8-6
Your Silent Face
Ultraviolence
Ecstasy
Leave Me Alone
The Beach (playback)
Temptation [feat. Wayne Hussey] (encore)
Blue Monday (encore)
Love Will Tear Us Apart (encore)