I can't get Blue Monday out of my head: 30 anos de um clássico

07/03/2013 09:04

 

(A clássica capa de um single clássico)

 

O que mais pode ser dito a respeito de "Blue Monday" que já não se saiba? Seu epíteto é conhecido por todos: "o single de doze polegadas mais vendido de todos os tempos". Também tornou-se mítico em razão de uma lenda que dizia que devido ao alto custo da capa a Factory Records não viu a cor do dinheiro que o disco faturou - história que, aliás, foi imortalizada no filme de Michael Winterbottom, 24 Hour Party People. Não foi bem assim, como recentemente declarou o designer Peter Saville ao The Guardian:

 

"Tony Wilson [dono da Factory] gostava de dizer que a capa era tão cara que eles perderam 5 libras por cópia. Mas é improvável. A Factory nunca falou em orçamentos. Ninguem nunca me disse 'esta é uma capa cara'. Ninguem nunca me enviou uma cópia do disco, eu tive que ir a uma loja e comprar uma. O disco vendeu tão rapidamente que a versão que eu comprei tinha uma capa preta, mas sem os buracos/recortes. A gráfica não tinha sido capaz de acompanhar a demanda, por isso imprimiram versões mais baratas. Eu não sei quantos milhares foram vendidos dessa forma, ou se a Factory foi cobrada indevidamente, o que seria algo 'bem Factory', aliás".

 

Também não é novidade que "Blue Monday" é, na verdade, uma "salada mista" de referências - algumas escandalosas, outras nem tanto. A mais citada pelos próprios membros da banda é o break roubado do riff de bateria de "Our Love" de Donna Summer. Outra "homenagem" indisfarçável é o "coral" de vozes sampleado de "Uranium", faixa do álbum Radio-Activity do Kraftwerk. O uso do "clap" (palmas) na linha de percussão veio de "(You make me feel) Might real" do Sylvester. Mas no meio disso aí eles enfiaram um pouco de "Dirty Talk" do obscuro Klein & M.B.O. E não podemos nos esquecer que as notas de baixo de Peter Hook foram inspiradas em "Il Triello", tema de Ennio Morricone para o filme Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo ("Três Homens em Conflito" no Brasil) , clássico western spaghetti de Sergio Leone estrelado por Clint Eastwood. Ainda assim, conseguiram criar algo autoral, original e, o que é ainda melhor, tão (ou mais até) popular e influente. E, curiosamente, revela que naquele momento Sumner, Hook, Morris e Gillian estavam ouvindo coisas muito diferentes de Doors, Velvet Underground e Iggy Pop. 

 

O que mais espanta é que este enorme passo adiante tinha sido concebido originalmente como uma forma de fazer encores ao vivo sem que a banda estivesse presente no palco. O New Order naquela época fazia shows com sets curtos e odiava dar bis. Então, compor um tema no qual sequenciadores e drum machines pudessem fazer tudo sozinhos com o apertar de um botão parecia uma ótima ideia. Mas, isso também não é novidade...

 

Sim, "Blue Monday" hoje parece simples. Basta apertar o "play" e tudo acontece. Mas o fato é que na ocasião em que foi escrita a banda mal conhecia a tecnologia que começava a utilizar. O Emulator, um sampler com teclado integrado, foi uma peça chave no processo de criação (e desde então foi um elemento central no repertório do New Order naquela época), mas levou algum tempo até que conseguissem dominá-lo (foi com esse "instrumento" que introduziram o "coral" kraftwerkiano, além dos sons de vidro estilhaçando, de trovões, etc). Bernard Sumner e Stephen Morris passaram horas sampleando peidos até aprenderem as manhas do equipamento. Além disso, o sequenciador que utilizaram era um Powertran ETI 1024 vendido sob forma de kit e coube a Sumner, com suas habilidades com o ferro de solda, montá-lo. Tudo muito amador. Para piorar, a melodia tocada no sintetizador ficou fora de sincronia com o ritmo... mas esse foi um "acidente feliz", nunca notado pelos fãs, já que ficou assim mesmo no take final, que é o que todos conhecem. 

 

Desde "Love Will Tear Us Apart", com o Joy Division, a banda não emplacava um hit. Mas "Blue Monday" foi "o" hit. Afinal, pôs o New Order pela primeira vez no Top of the Pops (uma espécie de Globo de Ouro da TV britânica, só que era muito melhor). E finalmente alcançaram o sucesso que haviam pretendido com o Joy Division. Mas tinham lançado uma dúvida sobre a crítica e o público: o New Order era ainda uma banda de rock, ou tinha se convertido num grupo de música eletrônica? O álbum Power, Corruption and Lies, lançado em maio do mesmo ano, e o single "Confusion", produzido por Arthur Baker (mesmo produtor de "Planet Rock", de Afrika Bambaataa), editado em agosto, puseram ainda mais lenha nessa fogueira.

 

De qualquer forma, "Blue Monday" está acima dessa polêmica. Seu legado é duradouro e isso se deve, em parte, ao seu relançamento com diferentes mixagens, primeiro em 1988 (com produção de Quincy Jones), e, depois, em 1995. Mas a versão original, mesmo com seus timbres já soando datados, continua imbatível. É um genuíno club standard. É verdade que, desde então, o New Order se especializou em escrever singles poderosos ("Perfect Kiss", "Bizarre Love Triangle", "True Faith", "Regret", "Crystal"), mas nenhum deles teve o mesmo impacto ou reverberou com a mesma intensidade. É um daqueles motivos pelos quais se deve levar a música eletrônica a sério - sim, porque em pleno século XXI ainda existem aqueles que enxergam o gênero com desdém ou que não conseguem distinguir o que é boa arte de pura bobagem comercial dentro desse segmento. Se bem que, o que realmente importa é que a História reservou um lugar para essa banda de Manchester e sua mais famosa e influente criação. 

 

A "ANTIGA TECNOLOGIA MODERNA" USADA EM "BLUE MONDAY":

 

Eis o "coração" que faz a música pulsar. Trata-se da bateria eletrônica Oberheim DMX. Tinha sido recém adquirida quando fizeram "Blue Monday".

 

A "linha de baixo", isto é, todos os timbres graves, foram feitos neste sintetizador, o Moog Source.

Bernard Sumner montou por conta própria um kit deste sequenciador Powertran ETI 1024. Ele não era vendido já montado. Não era a primeira vez que a banda usava sintetizadores vendidos como kits. Eram mais baratos.

 

Todas as "high parts" de sintetizador tocadas por Gillian Gilbert em "Blue Monday" são feitas neste Sequential Circuits Prophet 5.

 

Uma das estrelas do repertório do New Order na década de 80. O Emulator I (depois substituído pelo Emulator II) era um sampler com teclado integrado. Além das "high parts" tocadas por Stephen Morris, nele eram "tocados" também os samples de vidros quebrando, trovões e o coro de vozes "roubado" de "Uranium", do Kraftwerk. 
Já notaram certas "vozes de robô" em "Blue Monday"? Foram feitas usando este Vocoder, aparelho que produz efeitos na voz humana.
Eis o único instrumento convencional usado em "Blue Monday": um baixo de seis cordas Shergold Marathon, tocado pelo Peter Hook. 
 
O segredo do som do baixo do Peter Hook está aqui: o pedal de efeito chorus Clone Theory da Electro Harmonix. 
Além do baixo, Peter Hook dispara samples e percussion breaks com os drumpads Simmons SDS 5, que vinham acompanhado de um sintetizador analógico de bateria modular. Um clássico dos anos 80.

 

O site N.O. Way, para celebrar os 30 anos de aniversário de "Blue Monday", traz um presentão: a tradução de uma entrevista com Gillian Gilbert e Peter Saville no The Gardian sobre "Blue Monday": Como nós fizemos The Guardian 11 Fev 2013.pdf (440,7 kB)