Decifrando as Capas - Parte III: Low Life (1985)

13/03/2014 09:55

Após um início sombrio, o New Order começou a conquistar seu espaço com uma sequência de bons singles, dentre eles uma verdadeira bomba atômica ("Blue Monday"). A essa altura, sua discografia já contabilizava dois LPs: um mediano - Movement, de 1981 - e outro muito bom - Power, Corruption and Lies, de 1983. Mas ainda lhes faltava o que já tinham conquistado como Joy Division: um grande álbum. A hora chegou em 1985, dois anos depois de terem surpreendido a todos com o single de doze polegadas mais popular de todos os tempos. Foi quando lançaram seu terceiro long play, o (até hoje) aclamado Low Life

Low Life consolidou e radicalizou o estilo apresentado no disco anterior - um amálgama de rock, synthpop e electro. O álbum (o segundo produzido pelo próprio New Order) mostrava o quanto a banda estava "antenada" com as novidades em matéria de tecnologia musical (sequenciadores, samplers, baterias eletrônicas). Esse nível de sofisticação no trabalho em estúdio foi acompanhado de perto pela apresentação visual da banda, que prosseguia cada vez mais elegante. Se as capas de "Blue Monday" e Power, Corruption and Lies tinham se tornado ícones, a de Low Life não seria menos que surpreendente.

No projeto gráfico de Low Life, o designer Peter Saville contou com a colaboração do fotógrafo Trevor Key, naquela época já consagrado pelos trabalhos com artistas como Mike Oldfield (em Tubular Bells), Phil Collins, Roxy Music, Jethro Tull e Wham!. A grande novidade é que pela primeira vez os rostos dos quatro integrantes do New Order são mostrados: cada face da capa e do encarte traz uma fotografia em preto-e-branco (e distorcida pela grande angular) de um dos membros da banda... e nada mais. Nem mesmo os nomes deles, os intrumentos que tocam etc. Com isso, Saville e Key queriam chamar a atenção para as pessoas por trás da música - uma maneira de lembrar o público que a música eletrônica é feita por gente de verdade, de carne e osso, e que a tecnologia não é nada sem a vontade (e a criatividade) do homem.

 Os criadores da capa de Low Life também foram sagazes quando decidiram colocar a foto de Stephen Morris na parte frontal, contrariando assim a "lógica" que sempre põe em destaque em uma banda a figura do vocalista. Esta também era uma maneira de dizer ao público que no New Order não havia uma personalidade dominante, um band leader natural. Tanto que a foto do vocalista e guitarrista Bernard Sumner foi posta dentro da capa, no encarte, junto com a do baixista Peter Hook. Mas o toque final de estilo foi acrescentado quando Saville e Key optaram por inserir/imprimir as informações sobre o álbum - nome da banda, título do LP, nomes das faixas, créditos de produção e mixagem etc - não diretamente na capa, mas em uma cobertura de papel vegetal que a envolve. Esta cobertura é "fixada" (na verdade ela pode ser retirada) com o auxílio de duas "orelhas" que se acomodam na abertura da capa, pelo lado de dentro, e que também trazem informações impressas. 

 

Mas os artistas gráficos foram ainda mais ousados quando adaptaram o conceito para os formatos cassete e CD. As fotos de Bernard Sumner, Peter Hook, Gillian Gilbert e Stephen Morris vinham individualizadas dentro de uma folha de papel vegetal dobrada ao meio e contendo a logomarca com o nome da banda. Dessa maneira, o fã poderia escolher qual integrante da banda poderia aparecer na frente (mas com a logo em primeiro plano) - em vez de aceitar Morris compulsoriamente - e substituí-lo quando tiver vontade. Essa concepção para a arte de Low Life foi reeditada em 2001 por ocasião do relançamento em CD da discografia do New Order na Europa (New Order Collection) pela London Records / Warner Music.

 

   

Entretanto, fora da Inglaterra o projeto gráfico de Low Life sofreu alterações, tudo em nome do barateamento. Nos Estados Unidos, a grande camada de papel vegetal que cobria a capa por inteiro foi reduzida a uma faixa onde se lê, na frente, o nome da banda, e, no verso, as demais informações. Conceito semelhante foi adotado pela edição alemã, só que ao invés de papel vegetal, utilizou-se um outro tipo de papel fosco preto, com a tipografia impressa em cor branca. No Brasil, além do disco ter saído com uns dois anos de atraso, teve toda a parte tipográfica impressa diretamente sobre a capa (sacrilégio!) e com o nome da banda posto à esquerda do rosto de Stephen Morris, diferente da edição original. 

  
 

Mas talvez nada se compare ao "crime" cometido na Argentina por ocasião do lançamento de Low Life por lá. Além da coloração das fotos terem sido alteradas do preto-e-branco para um tom de "ferrugem", o título do álbum e das músicas foram traduzidos para o espanhol, de modo que lá o disco ficou conhecido como Vida Pobre. Um detalhe ainda pior é que não foi utilizada sequer a mesma tipografia empregada no projeto gráfico original. Mutilação mais grave do que essa não se tem notícia até agora. Imaginem se tentassem colorir com crayon o Guernica de Picasso? Foi mais ou menos isso o que os argentinos fizeram...