New Order

"Eu achava que outras músicas que escrevemos na época eram melhores. Eu pensava que 'Temptation' era uma música melhor, especialmente ao vivo. Eu pensava que 'Everything's Gone Green' era melhor. E eu pensava que 'Thieves Like Us' era muito, muito superior. Mas 'Blue Monday' tem um impacto sonoro que muito, muitos poucos registros têm. Foi realmente um presente e foi bastante irônico - e muito triste, na verdade - porque roubamos de uma B-side de Donna Summer. É uma música estranha. Tornou-se um dos maiores registros de Manchester. Tivemos muita sorte de escrever 'Love Will Tear Us Apart' como Joy Division, que foi um recorde em Manchester e, depois, 'Blue Monday' como New Order. Temos um com cada banda. Fantástico!" (Peter Hook, NME, 2012).

Na foto acima: New Order ao vivo no Top of the Pops, em 1983. Foi a primeira aparição da banda no popular programa de hits musicais da TV inglesa. Conseguiram este feito graças à "Blue Monday", um sucesso bastante incomum: uma canção de pouco mais de sete minutos (longa demais para os padrões das rádios), sem refrão, lançada em um single de capa negra que parecia um disquete de computador e que não tinha o nome da banda ou foto dos integrantes. Segundo o vocalista e guitarrista Bernard Sumner, esta música foi escrita porque eles odiavam dar bis ao vivo. Então, decidiram compor um tema no qual pudessem simplesmente apertar o "play" e deixassem os computadores tocando tudo sozinhos enquanto iam embora do palco.
 
Sem dúvida, não houve banda igual ao New Order na década de 80. Eles não apenas não gostavam de dar bis ao vivo, como também não eram muito chegados em fazer shows e suas turnês nada mais eram que uma “série selecionada de concertos” (palavras do baterista Stephen Morris), geralmente em pequenas salas no interior da Inglaterra. Eles também não apareciam nas capas de seus discos (exceto uma vez), nem publicavam nos encartes as letras das canções, seus próprios nomes ou quais instrumentos tocavam. Os títulos das músicas não apareciam nas letras. Eles mesmos produziam seus álbuns e singles e tinham contrato com uma gravadora independente. Odiavam publicidade e autopromoção (disseram “quem faz isso são os outros, não nós” ). Raramente apareciam em seus videoclipes (em geral, pediam para os diretores não incluírem o grupo neles). Não davam entrevistas, nem faziam playback em programas de TV. Não usavam maquiagem, como o The Cure, nem tinham cortes de cabelo e modelitos “transados”, como o Duran Duran. Simplesmente vestiam roupas comuns do dia-a-dia. Sua música era acessível para o público que só ouvia rádio e, mesmo assim, eram queridinhos dos alternativos e da crítica musical – algo que, já naquele tempo, era considerado absurdo ou impensável. Sim, o New Order era um fenômeno muito esquisito daquela década... Algo nada fácil de explicar.  Como um grupo tão insular, tão fuck-the-star-system, conseguiu produzir hits e ser, ao mesmo tempo, um ícone indie 
 
O enigma New Order torna-se ainda mais intrigante quando nos damos conta de que aquele grupo que outrora soava sombrio, depressivo e atmosférico em sua primeira encarnação - o Joy Division - se transformou, segundo palavras do ex-baixista Peter Hook em uma entrevista dada ao The Observer, em uma "versão branca e nortista da música disco negra americana". Mas a mudança de direção e de estilo não tem a ver apenas com os clubes e danceterias de Nova Iorque os deixaram maravilhados ainda no começo da década de 1980: foi ainda como Joy Division que rabiscaram os primeiros esboços de suas futuras extravagâncias eletrônicas. E o tino para melodias pop já corria em suas veias desde "Love Will Tear Us Apart". Portanto, aqueles que enxergaram no New Order uma "traição" da "pureza" e "integridade" do Joy Division certamente não conheciam a fundo nenhuma das duas faces de um mesmo ser. Como (corretamente) escreveu o jornalista Arthur Couto Duarte: "Joy Division e New Order são as fases cíclicas da mesma doença (...) com alívio, constatamos que o êxito comercial do New Order jamais desonrou a reputação do Joy Division".
 
Em 1985, outro jornalista, Pepe Escobar, escreveu apropriadamente para a revista Bizz “não se enganem com a aparência da Nova Ordem, nem com os truques sonoros de sua sala de espelhos”, já chamando a atenção para a “dupla identidade” da banda. Como bem descreveu outro jornalista, Luke Turner (Virgin Media), “não existem muitos grupos que conseguiram combinar bem arte e pop”. A essência do New Order é a dualidade: sua trajetória é marcada pela criação de uma zona intermediária entre o avant garde e o popular, o rock e a dance music, a música orgânica e a eletrônica. O mesmo Turner também escreveu “o New Order tem alguma coisa para todos os gostos”, mas se existe uma frase-síntese a respeito dessa banda singular e que pode ser considerada definitiva, ela foi dita (ou melhor, escrita) por David Blot: “THE TRUE PUNKS DO DANCE MUSIC”.